Sua popular apresentação consiste em pequenos versos de uma Bíblia Cristã. A criação feita das costelas de Adão, a figura que introduziu o pecado ao mundo, a mulher. Mulher do homem. Nas pregações de Buda, que inspiraram filosofias de antigas civilizações, ela é a temível “malandra, cheia de malícia”. No Talmud, texto central para o judaísmo, sua face ganha outras nuances: “Mais vale queimar a Torá que confiá-la a uma mulher”.
Ainda sendo um consolo e refúgio para súplicas, religiões geraram discussões intermináveis sobre a figura feminina na sociedade. O surgimento a partir da costela de Adão, a categorização de “bruxa” durante a Idade Média e a posição subalterna em relação ao homem são alguns exemplos populares para as ideias, categorizadas como machistas na visão de estudiosas do meio teológico.
“As igrejas (religiões em si) tem sido uma das principais ferramentas de controle do corpo, em especial o feminino, e de reprodução do machismo”, argumenta a jornalista, fotógrafa e feminista evangélica Thamyra Thâmara de Araújo, em um artigo publicado pela Folha de S. Paulo. “Se a gente for perceber, a maioria dos pastores e lideranças nas igrejas são homens e eles interpretam os textos bíblicos baseando-se no contexto cultural machista e nos seus olhares de homens”.
Entre as soluções apresentadas por feministas como Thamyra está a união desse público feminino e a desconstrução da tal “burocracia religiosa”. Logo o distanciamento das pessoas do “mundo” não é mais um remédio de purificação e os conceitos obtidos sobre religiões africanas e orientais não é 100% correto.
Para entender mais a fundo essas ideias, consideramos as discussões levantadas durante o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, e nos propusemos a conhecer cinco jovens de diferentes denominações. Por suas falas elas expuseram o que é ser mulher e como a figura feminina é vista em seus respectivos lugares de adoração. Permita-se conhecer suas histórias.
Nome: Larissa Tibério
Profissão: Estudante
Idade: 21 anos
Religião: Congregação Cristã no Brasil
Frames: Há quanto tempo você segue esta religião?
Larissa: Minha avó me levava desde pequena, mas não seguia firmemente. Comecei realmente ir a partir dos meus 16 anos.
Frames: Por que você a segue?
Larissa: Não sei dizer ao certo o porquê. Minha avó frequentou essa igreja desde pequena, então eu cresci com os valores da Congregação. Eu acredito naquilo que eles pregam, e, no fim, é um lugar onde eu me sinto bem. Acho que há um casamento daquilo que eu acredito com aquilo que a igreja me passa. Eu sinto Deus ali.
Frames: Você comentou sobre uma semelhança de valores entre a igreja e você. Quais valores seriam esses?
Larissa: Eu gosto de ser uma pessoa correta e na minha igreja também se prega que eu devo ser uma pessoa assim.
Na Congregação não são apenas nossas vestimentas que nos diferenciam, mas também a nossa forma de pensar e agir. O fato de eu não beber, de eu não usar muita maquiagem, de não cortar o meu cabelo são consequências de um comportamento que eu decidi seguir. Não falar o que muitas pessoas falam, não escutar o que normalmente as pessoas escutam, e não ver o que as pessoas normalmente veem.
Frames: Como você vai à igreja?
Larissa: Eu fui ensinada a ir como se eu fosse visitar um rei. Como se eu fosse ver o presidente. Porque Deus é o mais altíssimo, o mais poderoso, o maior de todos, então Ele merece o meu melhor também.
Sempre uso a minha melhor roupa. Vou de salto, me arrumo bem, coloco um vestido bonito.
O acessório que nós mulheres usamos é o véu, que cobre a nossa cabeça assim que entramos no lugar de adoração.
Frames: Você já sofreu algum preconceito por seguir esta religião?
Larissa: Já sofri tanto lá fora, como dentro da própria Congregação. Eu sou estudante de artes com ênfase em dança. Aos olhos de uma pessoa da Congregação muito antiga isso, por si só, já é uma abominação. De acordo com eles, o corpo é como se fosse um templo, aonde ali habita o espírito de Deus, o Espírito Santo. Ele tem que estar coberto, puro, não pode ser tocado por qualquer um.
Sempre estou tentando me cobrir. Pra quem estuda dança, o corpo é um instrumento livre onde você pode fazer o que você quiser. Sofro porque dizem que a minha saia está muito comprida. Sofro porque dizem que estou vestida igual a uma senhora. Sofro porque tentam controlar o que devo ou não usar.
Nome: Natally D’Andréa
Profissão: Jornalista
Idade: 29 anos
Religião: Candomblé
Frames: Há quanto tempo você segue esta religião?
Natally: Sigo o Candomblé há aproximadamente uns 10 anos. Na verdade cresci dentro da religião porque minha avó já a seguia. Na adolescência me afastei por medo e ignorância. Quando adulta retornei.
Frames: Que medo era esse?
Natally: Tinha medo do desconhecido. Meu avô era pai de santo. Quando eu ia para as festas via as pessoas incorporadas e não entendia muito bem como funcionava. Tudo isso começou a me assustar. Anos depois minha avó se afastou e acabei virando kardecista.
Em um determinado momento minha mãe ficou doente e descobrimos que ela estava com problemas de santo. Ela se reaproximou e entrou para o Candomblé. Não aceitei no começo. Mas como minha mãe já havia raspado a cabeça, decidi voltar e estudar mais sobre a religião.
Com o tempo encontrei uma casa onde conheci a mãe Lila. Comecei a frequentar lá e levei minha avó comigo. Hoje ela, minha mãe e eu somos da mesma casa de santo.
Frames: Por que você segue o Candomblé?
Natally: Sempre me identifiquei com a cultura africana. Foi quando comecei a estudá-la que entendi como tudo isso funciona. Hoje acredito na energia dos orixás. Nestas energias da natureza que regem todo o mundo.
Eu não escolhi o Candomblé, foi o Candomblé que me escolheu. Tive o chamado do orixá e não me imagino mais longe disso.
Frames: Existe algum hábito ou costume que diferencie uma jovem desta denominação das demais?
Natally: Acredito que a única coisa que diferencie uma jovem de Candomblé das demais é o fato de estar careca ao iniciar no orixá; como no meu caso.
Se tirar o estereótipo que a sociedade põe sobre nós, não existe nada que nos diferencie do restante.
Frames: Como você vai ao barracão?
Natally: Para irmos ao Ilê as mulheres vestem baiana, saia, camisu, ojá e torço branco. Usamos nossos fios de conta lá dentro. Estes correspondem a seus respectivos orixás e a idade de santo da pessoa que os usa.
Frames: Na sua visão, qual o papel da mulher dentro do Candomblé?
Natally: O papel da mulher no Candomblé é de extrema importância. Existem coisas que só uma mulher pode fazer, assim como também existem coisas que só um homem pode fazer. Por exemplo: só os homens podem tocar atabaques, e somente as mulheres podem manusear as comidas dos orixás.
Particularmente acho algumas coisas machistas dentro de nossa hierarquia. Mas é uma prática centenária, estamos fazendo várias adaptações com os anos.
Nome: Nathalia Cunha
Idade: 23 anos
Profissão: Produtora de moda
Religião: Espírita Kardecista
Frames: Há quanto tempo você segue esta religião?
Nathalia: Quando eu era pequena sempre ia ao centro espírita pra tomar passe. A gente ficava em uma salinha brincando com alguns brinquedos até chegar o momento de tomá-lo. Lembro que lá era onde eu me sentia melhor. Fui crescendo, minha mãe parou de ir ao centro, e então me afastei.
Frames: Quando você retornou?
Nathalia: Foi a partir de um livro chamado “Violetas na Janela”. Ele conta a história de uma moça e fala sobre reencarnação. Depois que eu o li, defini o que eu realmente queria pra minha vida. Durante muito tempo tive essa compreensão sobre o mundo. Hoje eu entendo que a minha visão, há anos, foi a mesma que a deles.
Frames: Por que você segue o espiritismo?
Nathalia: Lá eu sinto que eu posso ser eu mesma. No centro espírita eu nunca senti pressão. Pra mim, o espiritismo é ascendência. Ele me torna uma pessoa mais elevada e mais humana ao mesmo tempo.
Também acredito muito em energias e na força do universo. Pra mim é isso: não existe outra opção de vida.
Frames: Como você vai ao centro?
Nathalia: No centro não tem essa de roupa. Você pode ir de qualquer jeito. Nunca parei pra pensar na minha roupa na hora de ir para o centro. Já fui de vestido, já fui de shorts, já fui de camiseta. As pessoas vão de diversas formas.
É um lugar que você não consegue olhar pra uma pessoa e saber que ela está indo pra lá. O acolhimento é algo primordial. Eles nunca falam sobre roupa, nem nada. Ninguém olha isso.
Frames: Você já sofreu preconceito por ser espírita?
Nathalia: Acho que preconceito não. Quando chamo os meus amigos pra ir ao centro eles sempre perguntam como funciona. Quando eu os explico meio que se surpreendem. É quase natural escutar comentários do tipo: “Nossa, mas eu achei que ia chegar e um espírito viria falar comigo”. Não é assim que funciona, sabe? Não é preconceito, é ignorância.
Nome: Dandara Santos
Idade: 21 anos
Profissão: Estudante
Religião: Católica
Frames: Há quanto tempo você segue esta religião?
Dandara: Desde criança. Meus pais me iniciaram com o batismo, que no caso da igreja católica acontece quando criança.
Frames: Por que você segue esta religião?
Dandara: No começo ia porque meus pais iam. Quando comecei a entender o que realmente era o catolicismo comecei a ir porque eu queria. Porque eu gostava. A partir desse momento não parei. Hoje em dia vou sozinha.
Frames: Como você vai à igreja?
Dandara: A maior parte das meninas vão de calça e camiseta. Me sinto mais a vontade assim também. Atualmente não existe muitas regras quanto a isso.
Frames: Como funciona a castidade? Isso ainda é muito cobrado?
Dandara: Dentro do catolicismo a gente tem alguns mandamentos, e dentro deles está a castidade. O que a igreja prega é que você deveria se manter casto até o seu casamento, e não, a maioria não segue. É muito difícil entre os jovens encontrar alguém que siga. Isso eu falo pela minha roda de amigos. Deve ter um ou dois que prezem por isso, mas a grande maioria não.
Durante um bom tempo a igreja até cobrou. Hoje eles só pedem para você se cuidar. A teoria é que o corpo é templo do Espirito Santo, então o que eles pedem é que você não dê o seu corpo pra qualquer pessoa.
Frames: Você já sofreu algum preconceito por ser católica?
Dandara: Acho que não sofri preconceito, mas muitas pessoas de outras religiões já me criticaram por ser isso. Comentários como “Nossa, mas por que você é católica?” ou “Por que padre não pode casar?” me incomodam um pouco.
Ao meu ver, preconceito é uma palavra muito forte pra isso. Mas já o senti por parte de pessoas de outras religiões. De próprios amigos evangélicos, que começavam a falar mal sem ao menos conhecer.
Nome: Fernanda Cocelli
Idade: 21 anos
Profissão: Jornalista
Religião: Budista
Frames: Há quanto tempo você segue esta religião?
Fernanda: Sigo o budismo há uns quatro anos. Mas só me converti há um ano e meio, em julho de 2016.
Frames: Por que você o segue?
Fernanda: Eu nunca me identifiquei com outras religiões. A que eu mais me aproximava era o espiritismo, mas ainda assim tinham alguns pontos que me incomodavam.
Sempre gostei muito do budismo. Quando conheci uma amiga que também era, ela me levou e então eu fui me aproximando e me identificando cada vez mais.
Frames: Como você vai ao Kaikan?
Fernanda: A gente usa roupa normal. Óbvio que precisa ter um respeito, mas é uma questão de bom senso. Não tem necessidade de você ir com uma saia muito curta, mas se você for assim ninguém vai te reprimir.
Sempre vou o mais confortável possível. Jeans e camiseta. Bem básico.
Frames: Você já sofreu preconceito por ser budista?
Fernanda: Acho que não é bem preconceito. É engraçado porque sempre que eu falo que sou budista as pessoas falam “Nossa, você é vegetariana?” ou “Nossa, vai raspar o cabelo?”. São vários tipos de budismo. Não somos monges das montanhas. Não tem nenhum hábito diferente. A gente não precisa disso. Tanto que qualquer atividade é aberta a qualquer um.
Frames: Como a mulher é vista na religião budista?
Fernanda: Por ser uma religião de origem japonesa, eu sinto que tem umas questões um pouco machistas. Mas ao mesmo tempo, nós mulheres lutamos muito para transformar isso.
Uma mudança é que antigamente as mulheres não puxavam oração. Hoje as mulheres já tomam frente e realizam essa atividade igualmente. Estamos nos empoderando cada vez mais.
Nome: Fatima Zahra
Profissão: Fonoaudióloga
Idade: 22 anos
Religião: Islamismo
Frames: Há quanto tempo você segue esta religião?
Fatima: Sou muçulmana desde os meus nove anos, quando decidi colocar o lenço (Hijab). Parte da minha família já seguia a religião, então foi assim que a conheci.
Frames: Por que você segue o Islamismo?
Fatima: Eu sigo porque me identifico com o nosso livro sagrado. O Alcorão. Ele traz reflexões sobre o mundo e o nosso propósito nele.
Os direitos da mulher na sociedade também são muito valorizados. Seja no trabalho, no estudo ou, até mesmo, dentro de uma família. Isso me atrai.
Frames: Existe algum hábito ou costume que diferencie uma jovem desta denominação das demais?
Fatima: Nossas ideologias são bem parecidas com a de outras religiões. Pregamos a paz, acreditamos em um único Deus. São pequenos detalhes que nos caracterizam: o fato de homens e mulheres não se cumprimentarem com beijo ou aperto de mão, o uso do lenço por mulheres, o hábito de rezarmos cinco vezes ao dia.
Frames: Qual a simbologia do lenço?
Fatima: O uso do lenço é uma forma de proteger a mulher. De guardar a sua beleza.
A beleza é algo mutável. Nós envelhecemos, nossos cabelos ficam brancos, a pele torna-se flácida. O lenço ganha o seu protagonismo ao permitir que a beleza não ofusque a personalidade. Um homem não se casará com uma mulher pela beleza, mas sim pelo que ela é.
Homens que não são da família não podem ver uma mulher sem lenço, então o usamos todos os dias. Somente em casa, ou em ambientes que só possuam mulheres, o tiramos.
Frames: Como você vai à mesquita?
Fatima: Pra ir à mesquita homens e mulheres podem ir com roupa normal. A única observação é que nós, mulheres, temos que colocar o lenço na cabeça, caso não o usemos diariamente. Ao entrarmos tem uma parte com um tapete de reza. Ali só pode entrar descalço.
Frames: Na sua visão, qual o papel da mulher dentro do Islamismo?
Fatima: No islamismo, assim como o homem, a mulher é encorajada a trabalhar e a estudar. Para nós, a busca do conhecimento é uma forma de oração. Então a mulher pode, e deve, fazer o que ela quiser. Estudar e exercer o curso que gostar.
Ela ainda é vista como um “sexo frágil”, mas não da forma negativa. Pelo fato de poder engravidar e formar uma família, a mulher não tem obrigação nenhuma de trabalhar. O que ganhar é dela. É decisão sua ajudar, ou não, o marido. Ela tem o direito de dialogar e viver assim como qualquer pessoa.
Geralmente dizemos que o homem é a cabeça da casa, mas a mulher é o pescoço. Sem a aprovação dela nada funciona.
Frames: Você já sofreu preconceito por ser muçulmana?
Fatima: Aqui no Brasil nunca sofri um preconceito grave. Muita gente me olha estranho na rua, mas já estou acostumada. Entendo que não seja um hábito comum. Alguns até me param para perguntar sobre. Aliás, prefiro que perguntem a ficar com ideias erradas.
Infelizmente muitos acham que sou oprimida, que tenho um casamento arranjado. No fim se espantam quando descobrem que sou formada e que trabalho.