Logo ao entrar no camarim é possível ver um grande coração desenhado no espelho. “Ah, isso foi uma homenagem do pessoal pela apresentação de ontem”, explica a atriz que com brilho nos olhos recorda rapidamente o momento vivido durante o encerramento do “O Dia dos Musicais”- evento que celebrou o avanço do segmento no Brasil. “É engraçado…”, indaga a si mesma, “eu tenho 26 anos de carreira e sempre fico nervosa”.
Dona de um canto avassalador, Kacau Gomes foi responsável por conceder vida a notáveis personagens femininas nos palcos de teatro e nas telas de cinema. Sob a luz dos holofotes, já esteve na pele de Lucy no musical Jekyll & Hyde – O Médico e o Monstro, da estudante de música Jennifer Cavilleri em Love Story, e, hoje, na de Fantine, uma mãe que busca incessantemente um futuro para sua filha em uma das comoventes obras de Victor Hugo- Les Misérables.
“A gente se preparou durante 2 meses… Geralmente é assim em todo o musical. As preparações sempre começam entre janeiro e fevereiro”, esclarece a atriz que a convite da produtora de elenco Marcela Altberg participou das primeiras audições para o papel. Entre diversas etapas, ela e outras centenas de atrizes foram avaliadas pelos próprios produtores estrangeiros, que rigorosamente coordenavam toda a construção da montagem. “Essa foi uma das audições mais complexas e demoradas que já fiz. Apesar da Marcela já conhecer o meu trabalho de anos, tive que competir com várias amigas que possuíam o mesmo perfil e faixa etária que eu. Aqui no Brasil são os gringos que escolhem”.
Mesmo com todo o calor e emoção que emanou durante as audições, a sua opinião é certa: “eu não passei porque era melhor, eu passei porque era o meu momento”. Ao usar os próprios vestidos de quando estava grávida, Kacau imbuiu-se na própria energia que a envolvia ao seu filho, e assim conseguiu trazer à tona toda a força de Fantine. “Era um tipo de emoção única que estava comigo. Era só pensar no meu filho que o olho já começava a lacrimejar. O engraçado é que em nenhum momento eles ficaram sabendo que eu de fato era mãe”.
Fotos: Marcos Mesquita/ Rodrigo Negrini
Em um dos momentos mais tocantes do espetáculo, ao som de “Eu Tive um Sonho”, versão brasileira de “I Dream a Dream”, ela emociona semanalmente o público presente com a trajetória de sua personagem. E quando questionada sobre o fato desse sonho um dia ter existido ela logo exprime: “Eu lembro que na primeira vez que eu vi Les Misérables eu fiquei uma semana chorando. Fiquei extremamente impactada; mas nunca me imaginei nesse papel”.
Foi ao ver a força de Eponine, que a primeira chama de Kacau surgiu. “Eu achava que tinha energia para fazer esse papel. Ela se joga e faz tudo pelo amor! Mas, e a idade? A idade vai para onde?”, brinca. “No fim tudo se casa, e se casa de uma maneira muito natural! Hoje eu olho o papel da Eponine, e falo: tinha que ser da Laurinha, ela o faz brilhantemente!”.
Apesar da forte relação com a produção, a história de Kacau com o teatro musical começou muito cedo. “Desde pequena eu sempre estive ligada a musicais. Lembro que às vezes eu parava no meio do pátio só para cantar na hora do recreio”, conta, e de sua própria memória retira um desses episódios: “Uma vez estava cantando Marisa Monte… Eu acho que isso ficou tão marcado no meu DNA que assim que sai do colégio, fui cantar com quem? Com ela mesma, Marisa Monte”. Durante 4 anos Kacau fez parte dos backing vocals da cantora, e durante suas turnês deu asas aos seus sonhos.
“Talento é importante, mas existe o fator da sorte sim. Isso não é lenda!”. Nomes como Camila Pitanga, André Marques, Thiago Fragoso, e Rodrigo Santoro são apenas alguns dos que já dividiram o palco com a atriz em diferentes produções; e para cada uma delas a recordação se mantém viva como se as vivesse hoje. “O primeiro musical que fiz foi Os sinos da Candelária. Depois fiz Ridículo Amor”, logo então lembra de um dos momentos da montagem e entre risos o compartilha, “olha, eu lembro do Rodrigo ali parado, só com uma cuequinha fazendo o papel de Jesus! Ele entrava mudo e saía calado, e agora olha só o que virou…”.
Como se o sucesso nos palcos não bastasse, logo a intérprete foi chamada para a audição de um novo projeto, que a reposicionaria no meio artístico: a dublagem de uma das clássicas animações dos estúdios Walt Disney, o Corcunda de Notre Dame. Na época a atriz confessa que o projeto não deu certo, e tudo devido a um único detalhe: o tom de sua voz. “Eles acharam minha voz muito jovem para a personagem. Mas adivinhem quem passou? Rosana, a cantora de Como uma Deusa… Queria melhor? Impossível!”.
A surpresa veio com uma nova proposta da companhia. Uma animação baseada agora na mitologia grega- Hércules. “A audição era para as musas, mas no fim passei para o papel da Mégara”, conta. A questão foi que durante as gravações os produtores viram a sua surpreendente extensão vocal, e logo a colocaram para viver a voz de Calíope, uma das musas do quinteto do filme.
Um ano após o sucesso de Hércules, Walt Disney se preparava para lançar uma de suas animações mais surpreendentes. Mais uma vez inspirados na cultura de um país, o estúdio se determinou a mostrar que as princesas podem ser muito mais. Foi então que Kacau deu vida a sua primeira protagonista em um desenhado animado, Mulan. “Durante as gravações eu chorava igual a ela. Eu realmente senti tudo aquilo. Eu estava completamente imbuída do personagem”, relata já emocionada ao lembrar da experiência. “Eu não sei porque eu sempre pego personagens dramáticos né?”, brinca.
Apesar desse detalhe, Kacau alega que sempre se reconhece na força de suas personagens. “Eu sou uma atriz visceral. Eu tenho essa consciência! Eu dou tudo! Geralmente falam até que eu sou uma tora vocal”. A atriz que já preparava o cabelo para encaixar a longa peruca loira de Fantine ainda recorda um dos episódios vividos no espetáculo. “Eu apanho muito em cena, e uma vez tive que me afastar porque machuquei meu punho. Comigo é assim, eu me jogo mesmo!”.
Após tantos trabalhos, Kacau nunca titubeia ao afirmar. “Essa é a minha história. Esse é o meu prazer. Estar no palco! Porque eu vou dar meia bomba?”. A irradiante energia da atriz se faz presente inclusive em seus sonhos. “Eu ainda estou na luta! Eu ainda quero um Jean Valjean! O dia em que você chegar e dizer: ah, está legal, está beleza, estou feliz… Diga não! Temos sempre que ir atrás do melhor, sempre o melhor”.
Kacau Gomes carrega consigo um diverso acervo de obras, e, certamente, ainda a veremos em muitas outras mais. Se desafiando e nos surpreendendo sempre. “Eu estou sempre nessa busca em dar o meu melhor! É uma eterna luta! Eu não sei o que é o chegar lá para vocês, mas o meu ainda é bastante amplo. Quando você dá o seu melhor como atriz e tem consciência do seu trabalho, você pode ser o que for. É teatro!”.
por Diogo Domingos.