Por que homens gays têm mais amigas mulheres? - Frames
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Por que homens gays têm mais amigas mulheres?

Por que homens gays têm mais amigas mulheres?

Você já deve ter conhecido uma dupla como essa. Caso não, basta lembrar de filmes como O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), Sobrou para Você (2000) ou, o nacional, Os Homens São de Marte… E é Pra Lá Que Eu Vou (2014). Apesar das diferentes épocas, cenários e dramas, todos apresentam sua protagonista ao lado de um fiel amigo gay.

A conexão entre homens gays e mulheres heterossexuais já foi abordada em muitos outros filmes, novelas e seriados. A parte intrigante disso é que, tirando todos os clichês que essas produções muitas vezes trazem, não é nada complicado encontrar exemplos desta parceria na vida real. Seja no ambiente de trabalho ou em relações de amizade alimentadas por décadas, inúmeras duplas de amigos como essa comprovam algo que, até o momento, poucas pesquisas conseguiram entender.  

Em junho de 2015, um estudo da Universidade de Champman, na Califórnia, analisou mais de 25 mil norte-americanos a fim de desvendar em partes o porquê isso ocorre. A ideia partiu do conceito de desmistificar um fenômeno chamado ‘homofilia de gênero’, que pressupõe que nós, seres humanos, temos uma certa tendência em nos relacionar com pessoas semelhantes a nós mesmos.

Liderado pelo professor de psicologia David Frederick, o estudo constatou o que já era imaginado: homens cisgêneros heterossexuais tendem a se relacionar entre si, assim como mulheres cisgêneros heterossexuais tendem a criar laços de amizade com outras mulheres. A surpresa do grupo foi que, ao analisarem os resultados de homens gays e bissexuais, eles perceberam que o fenômeno não se aplicava, já que ambos relataram preferir dialogar e se abrir com amigas, ao invés de amigos.

De acordo com o psicólogo Marcos Souza Júnior, de 31 anos, membro do projeto Rainbow Psicologia, apesar dos diferentes exemplos em sociedade e das fortes referências em produtos mainstream, não há nenhuma razão científica para esse tipo de amizade acontecer em massa. “Acredito que vale olharmos para razões sociais para entendermos como se dão algumas dessas conexões. Em nossa cultura, os níveis de ansiedade e tensão sexual costumam ser menores entre esses dois grupos (homens gays e mulheres héteros). Já que a relação não se dá para que o outro se sinta atraído ou desejado”, explica.

Mesmo com a ausência de dados científicos, o especialista, que além de ser um homem cisgênero homossexual também atende em sua maior parte LGBTs, levanta uma forte razão para o fenômeno ocorrer. “Também podemos enxergar as mulheres e as pessoas LGBTQIA+ como minorias. Entendendo que minorias não se trata de quantidade de pessoas, mas sim de desvantagem social. Com isso, há uma maior possibilidade de se colocar no lugar do outro e entender as dificuldades em aspectos relacionais”.

Quando colocamos ambas as figuras neste cenário, conseguimos compreender outra relação entre homens gays e o universo feminino: a sua forte admiração por mulheres no poder. Seja por uma cantora como Beyoncé ou até mesmo atrizes como Judy Garland, não é fácil de se ignorar este vínculo. O ponto mais interessante dessa discussão é que, apesar da atmosfera mágica que reina nessa pauta, a lógica para essa ligação é mais simples do que parece.

“Todos esses exemplos de mulheres famosas, que de alguma forma são acolhidas por pessoas LGBTQIA+, trazem consigo uma trajetória de desprezo, negação, sofrimento e momentos difíceis a serem superados. Mas em suas histórias, cada uma mostra que é possível superar essas adversidades rumo a um caminho de vitória”, conta Marcos.

De acordo com ele, quando uma mulher alcança um lugar de ícone para uma comunidade, há uma projeção. Com ela, nasce o desejo de ser e lidar com os seus problemas como essas figuras públicas também lidaram, imaginado um dia vencer as dificuldades e ser feliz. Isso também pode ser enxergado em paralelo ao desejo de toda uma comunidade que é renegada, malquista, marginalizada e, que por querer ser quem se é, muitas vezes é assassinada.

Com a popularidade dos aparentes benefícios da amizade entre homens gays e mulheres héteros, não demorou muito para nascerem termos que pudessem apelidar ambos os lados. No álbum It’s Not Me, It’s You, da cantora britânica Lily Allen, a letra da canção Fag Hag mostra por qual razão esse se tornou o apelido das ‘marias purpurinas’: “Quando eu saio pra beber / Posso te pedir coisas que não posso pedir pra mais ninguém / E você vai me dar a direção”. Já a sigla GBF, caracteriza popularmente o Gay Best Friend (Melhor Amigo Gay) de qualquer garota.

No momento em que mergulhamos nesse contexto onde ambos os lados são rotulados, todos os benefícios de uma relação saudável se tornam verdadeiras armadilhas de uma parceria alimentada por interesse e objetificação. “Generalizar que toda mulher precisa de um amigo gay reforça um estereótipo. Deste modo, podemos ir além de um espaço saudável que, dentro da comunidade LGBTQIA+, é nomeada como o amigo pet. O amigo gay chaveirinho que faz tudo o que a amiga manda por medo de não serem mais amigos”, esclarece o psicólogo.

Caso o respeito prevaleça e a aproximação aconteça com base em valores que vão além de um parceiro para compras ou um consultor de dicas de maquiagem, as mulheres também têm muito a ganhar. De acordo com Marcos Souza Júnior, “o senso comum nos aponta para uma amizade onde se fala a verdade sem desavenças, onde não existe competição no quesito afetivo sexual e onde as pessoas falam a mesma linguagem”. Inclusive, este último ponto é importantíssimo para entendermos a razão pela qual esta tendência não deve ser generalizada.

Assim como nem toda mulher é delicada, nem todo homem gay é fashionista ou fã de cultura pop. Uma relação entre ambos só nascerá caso os interesses de cada um sejam compatíveis com o do outro. Não há regras ou uma receita mágica para essa parceria. Toda a conexão humana é baseada em gostos em comum e na abertura de cada um para a compreensão de como o outro se sente. Ao ter isso em mente, é possível sim imaginarmos um futuro onde essa realidade não é tão evidente.

“Sem dúvida alguma, o ponto que dificulta o estabelecimento de relações entre homens homossexuais e heterossexuais é a falta de informação e o preconceito. A confiança só pode ser construída com ambas as partes se sentindo confortáveis em falar sobre a vida, dividir problemas, assim como dividir as vitórias”, expõe o psicólogo. “A minha sugestão é que se tiver alguém com quem você se sinta à vontade, invista nessa amizade. Porque também são através de exemplos que nós conseguiremos desconstruir essas imagens negativas e criar novos laços”. 

*Para mais informações ou esclarecimentos, converse com Marcos pelo e-mail [email protected].

Reportagem: Diogo Domingos.

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