Recortes #1: Max-O-Matic - Frames

Recortes #1: Max-O-Matic

Max-o-Matic é argentino, mas vive em Barcelona desde 2002. Trabalha principalmente com colagem e ilustração. É um dos fundadores do Weird Show, plataforma criada para discutir e divulgar a colagem contemporânea. Nossa conversa foi por Skype.   

 

Frames: Esse é seu estúdio?

Max: Parte dele. Aqui estão os livros, guitarras, computador. Revistas.

Frames: Seu nome artístico tem relação com o Cortázar, né? Me conta sobre isso.

Max: A história é simples e estúpida, sem muita mágica. Eu estava lendo Cortázar , A volta ao dia em 80 mundos, e um desses 80 mundos era o mundo de um inventor físico que fez uma máquina especial para ler Rayuela (O jogo da amarelinha). Ela te dá infinitas possibilidades de ler o livro.

E essa máquina se chama Rayuela-o-matic. Pois bem. No dia que ganhei o meu primeiro iPod tive que escolher um nome e pensei: isso aqui é uma máquina que pode colocar música aleatoriamente, portanto Max-o-matic.

Frames: É verdade que você começou a fazer colagens para ilustrar textos que escrevia? Que textos eram esses? Por que colagem?

Max: Eu estudava comunicação, vivia em Buenos Aires, e estava aprendendo algo como ser jornalista. Então comecei a trabalhar numa zine com um amigo. Escrevemos alguns textos experimentais, um tanto quanto pretensiosos, confesso, mas a gente queria escrever  e por isso saíram esses contos estranhos ou poemas. Não sei. Não era algo que a gente pudesse classificar porque era muito intuitivo.

E aí fiquei incumbido de fazer o design da revista. Precisava colocar algumas imagens nesses textos. Nessa mesma época, estava interessado no movimento punk, que sempre teve muita relação com a colagem. Sempre tive também muito interesse pelo dadaísmo e aí pensei ok: gosto de punk, de dadaísmo, a colagem foi o caminho mais natural. Eu só precisava cortar e colar. No começo eu nem me importava com as imagens, só com as palavras. A imagem estava sempre por trás.

Frames: Colagem analógica, certo?

Max: Para essa revista, sim. Até que tinha alguma coisa de colagem digital, mas muito lo-fi. Era só mixar imagens sem saber como fazer isso.

Frames: Quanto tempo atrás?

Max: Isso foi em 1995.

Frames: E continuou trabalhando analogicamente por mais quanto tempo? Quando começa a mistura com o digital, ilustração?

Max: Quando terminei a faculdade, comecei a trabalhar numa faculdade de design, eu queria ser um designer. Já não queria mais ser um escritor ou jornalista.  Só que até aí eu não tinha pensado em ser um ilustrador. Eu queria ser um designer.

Segui com as zines e comecei a fazer alguma coisa de ilustração, mas foi só em 2002, quando vim para Barcelona, que comecei a fazer ilustração de um jeito mais profissional, mais planejado. Ilustração como uma forma autônoma de arte.

Aí veio a mistura da colagem analógica com a digital, a ilustração, e assim começou o desenvolvimento do que eu posso chamar de meu estilo particular.

Frames: Como você divide o trabalho entre analógico e digital? Como o lado comercial impacta nisso?

Max: Geralmente, quando recebo uma encomenda, tenho poucos dias para finalizar. Então é quase impossível buscar as imagens reais, físicas, do que eu quero para fazer o trabalho, para transformar um conceito abstrato numa imagem.

Com as marcas, as empresas, o tempo é sempre curto e dificulta o trabalho analógico. Agora, com o meu trabalho pessoal, prefiro colagem analógica. Eu gosto dos limites do papel e o digital permite que você faça o que quiser, qualquer coisa. Algumas das minhas principais inspirações surgem nas limitações. Eu gosto de limites como um motor para criar, como um ponto de partida para criar algo novo a partir de algo velho.

Frames: Experimentos a partir de limitações como os que o Oulipo faz? Você conhece o trabalho deles?

Max: Sim, com certeza! O Oulipo é uma das minhas principais influências. Eu evito mencionar porque sempre soa um pouco pretensioso, mas eu gosto muito da ideia de usar o limite como forma de pensar diferente. É muito importante. Isso se expressa na maioria do meu trabalho.

 

Série: Weird Show / Montreal Identity #2/ Max-o-Matic

 

Frames: Pode dar um exemplo de uma regra, uma limitação?

Max: Eu vou te mostrar um exemplo real (pega uma espécie de caderno em uma das prateleiras). Isso aqui é de 2010 e eu fiz 45 colagens com apenas um livro, uma revista e três cores. Apenas isso.

Frames: E você decidiu previamente que seriam 45?

Max: Não. Se você olhar o trabalho todo, vai ver que são muito parecidos, já que são feitos em série, mas eu só decido o material, a regra e produzo. Então, acho que meu trabalho, não sei se tem um estilo único, isso não posso dizer, mas acho que é possível enxergar diferentes formas de expressar uma mesma coisa.

Frames: Quando começa a cortar, o que você tem em mente? Um conceito? Cores? Um sentimento?

Max: Às vezes um sentimento, às vezes ideias mais lúcidas, mais clara. Nem sempre é algo muito determinado. O último trabalho que fiz foi um pouco perdido. Queria mostrar algumas dessas sensações de estar perdido, em algum lugar longe, exótico.

Em outras vezes defino a regra. Então, às vezes é mais conceitual, e outras mais matemático, mais ainda que essa não seja uma boa palavra. Depende do momento.


Série: Fiestas Populares/ Max-o-Matic

 

Frames: E como o lugar que você está influencia no seu trabalho? Onde você costuma trabalhar?

Max: Eu trabalho sempre no meu estúdio. Principalmente quando faço meu trabalho pessoal, quando tenho uma exposição e preciso me preparar. Sempre no estúdio.

Já os trabalhos comerciais eu faço em qualquer lugar. Só me dar internet e meu computador. Mas isso não quer dizer que eles sejam muito diferentes em termos estéticos, mas sim na forma como me relaciono com eles. Eu posso fazer um trabalho comercial e ficar muito orgulhoso dele. Não é que eu odeie a encomenda e goste só da minha arte. Acontece que no trabalho comercial você precisa ter um desapego maior porque alguém está dizendo o que fazer, alguém vai te dizer como o seu trabalho precisa se relacionar com o resto.

Não é algo seu, não é algo que está próximo de você. O trabalho artístico tem a ver com estar em paz comigo. Ou ao contrário, em guerra.

Frames: E essas limitações da encomenda também servem como um impulso para a criatividade ou a relação é diferente?

Max: É diferente porque, não importa a dificuldade, você precisa ser criativo, precisa ter ideias, precisa ser intuitivo para fazer algo que se relacione bem com o texto e o conceito. Acho que nesse caso o impulso vem, na verdade, do prazo curto!

 

Série: The Lima Analogue Set/ Max-o-Matic

 

Frames: Falei antes sobre a influência do espaço no trabalho porque você é argentino, mas vive em Barcelona. Isso tem algum impacto no seu trabalho?

Max: É difícil dizer porque, quando vim, eu quase não tinha experiência como designer ou artista. Então não tenho muita certeza do que acontecia na Argentina durante aquele período. Eu experimentava, fazia zines, mas tudo muito básico, era o meu começo como um criador de imagens.

Não sei dizer se a cidade tem muita influência. Como disse, foi só quando vim que realmente comecei a desenvolver um plano de me tornar mais que um designer, de me tornar também um ilustrador.

Eu ainda não estava tão ligado nas diferenças do meu trabalho porque era só o começo.

Quando deixei a Argentina, não estava tão confortável. Senti que Barcelona era o lugar para viver. Talvez, de alguma forma, o fato de não estar preocupado com coisas que me preocupava na Argentina tenha me libertado para focar mais no meu desenvolvimento como artista.

Frames: Então não pensa em voltar…

Max: Nunca se sabe, mas não está nos meus planos agora.

Frames: Como artista, é claro que seu trabalho se transforma constantemente, mas o que permanece? Tem alguma coisa que define seu trabalho? Algum tema?

Max: Talvez meu tema seja justamente a mudança, o movimento. Eu trabalho no MACBA (Museu de Arte Contemporânea de Barcelona) fazendo workshops de colagem e toda sessão  eu apresento um tema e um artista que se adeque a este conceito.

Um dia me coloquei no centro disso e me dei conta de que, quando falo de mim, falo de mudança. Se você algumas colagens de todo esse período, vai ver que está tudo diferente. Pode ter um mesmo espírito, mas a execução e o resultado final é sempre diferente. O espírito é esse: manter o movimento

Frames: Colagem é a arte de quem não sabe desenhar?

Max: É uma boa definição. É verdade, mas não tanto. Qualquer um pode fazer colagem. Eu tenho um filho pequeno que faz colagem, mas que não consegue se comunicar com a colagem. Ele cola papéis.

Aqui na Europa temos muitas pessoas fazendo colagem, mas colagem sem significado. Só o que eles querem fazer é comprar a revista LIFE da década de 60, cortar os anúncios vintage, colocar um letreiro no topo e pronto, você é um artista de colagem. É exatamente isso que não quero fazer.

Eu realmente não sei desenhar, mas garanto que é preciso trabalhar muito para conseguir se expressar colando papéis.

 

5 obras comentadas pelo artista

1975.1980.2011 (2011)

A colagem tem sempre muita relação com a memória porque você resgata um material do passado. Esse material antigo sempre fala muito do artista e da decisão por trás do recorte, já que essas escolhas podem ser infinitas.

Essa série também tem a ver com os limites que falei anteriormente. Ela tem como base a recuperação, basicamente, de dois livros. Um deles é de 1975, o ano que eu nasci, e o outro de 1980, ano que nasceu meu último irmão. 2011 foi o ano em que fiz a série. Escolhi esses livros porque, de alguma forma, se relacionam com minha primeira infância. Por mais que eu não me lembre exatamente delas, estão diretamente vinculadas ao meu crescimento.

 

Vegetal portraits

Meu trabalho tem a evolução como objetivo central. Se olhar esse trabalho e o trabalho anterior, dá pra notar um salto totalmente ao vazio. Não há conexão. A série “Vegetal Portraits” tem essa investigação formal das formas que atravessam os personagens e revelam algo muito estranho, uma outra imagem.

Essa ideia também partiu de uma regra de produção. O objetivo era fazer uma colagem muito complexa com a menor quantidade de elementos possível. Nesse caso, são só duas imagens.

 

Secrets

Também tem algo muito interessante para mim, não só como processo, mas como tudo aconteceu. A série “Secrets” foi assim: chegou um correio para mim, de alguém que nao sei quem é e que também não assinou o nome. Me perguntou se queria participar de um projeto de colagem e, caso aceitasse, precisava enviar meu endereço. Depois recebi um material e uma carta escrita à mão, sem remetente, que me agradecia por participar e indicava um endereço de e-mail para onde eu enviaria os trabalhos depois de finalizados. Me senti bastante atraído com a ideia. Uma colaboração que você faz sem saber para quem é, totalmente secreta…

O que eu senti, nesse caso, é que as imagens precisavam ser o elemento mais importante na colagem. Não queria interferir demais. O único que fiz foi recortar as imagens para poder colar no fundo e depois encontrar alguma ideia de movimento, para sugerir uma ideia e não definir algo, dizer algo. Não queria mudar o sentido das imagens, queria que elas continuassem protagonistas. E esse foi o resultado. Eram imagens preto e branco, num papel especial, com características bem particulares. A partir daí, resolvi jogar com a forma e movimento.

 

Certain kinds of trash (2015)

Essa foi uma produção que fiz para uma exposição-solo que tive aqui em Barcelona. O desafio era sair da escala de colagem pequena e produzir obras maiores. Algumas dessas obras têm um metro de altura.

 

Cutters Cork (2011)

Esse trabalho é bem antigo. Reflete algo que não faço há muitos anos, um caminho que não sigo mais. E tem a ver, claro, com o desenvolvimento. Aqui eu trabalhava muito com enciclopédias e tentava desenvolver a possibilidade de mudar o contexto das imagens por meio da colagem. Estas são peças que expus em Cork, na Irlanda, e faziam esse jogo de mesclar cenas bélicas com pessoas de outros universos, como do esporte, por exemplo, para mudar todo o significado da imagem original. Foi a única série que fiz assim porque, de fato, não era algo que me motivava.

 

Recortes é uma série de entrevistas com artistas visuais.
Reportagem: Vinicius Bopprê.

 

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